segunda-feira, 1 de janeiro de 2007

Ria Formosa vai ser "cemitério de bivalves"

Este artigo foi transferido por hardware próprio da edição escrita do jornal "postal do Algarve", edição papel, de 19/07/2007

Ria vai ser "cemitério de bivalves
se não for desassoreada

A maré é o patrão, é certinho, chega aquela hora e temos de sair". Cinco da madrugada na doca de Faro. O motor do Nera aquece para mais um dia de marisqueiro e o proprietário do barco acende um cigarro e revela a sua preocupação com a mortandade dos bi­valves na Ria Formosa. "Se a barrinha (zona onde a ria se une ao mar) estivesse desassoreada, havia mais oxigenação e fito plâncton para alimentar os animais marinhos e não havia tanta mortandade dos bivalves", sustenta o dono do barco Ál­varo Ribeiro, mariscador, 38 anos, enquanto avista no seu viveiro ostras, berbigão e amêijoa morta. As culpas pela mortandade dos bivalves da Ria Formosa são atiradas para os respon­sáveis do Parque Natural da Ria Formosa que não fazem os devidos desassoreamentos.
Os mariscadores e viveiristas da Ria Formosa, de Faro, passando por Olhão, Tavira até Vila Real de Santo Antó­nio, não têm dúvidas de que se os canais de navegação fossem limpos de areias, ca­lhaus e outros detritos, toda a reserva natural estaria me­lhor preservada e não se transformaria num cemité­rio.
Os químicos utilizados nos campos de golfe que chegam à Ria Formosa com a água das chuvas e as descargas das estações de tratamento em determinados momentos do
ano feitas pelo Aeroporto de Faro são outras das causas da morte dos bivalves, acusa o viveirista algarvio. Ao leme do Nera, Álvaro Ri­beiro navega pela Regueira da Praça, passa pela Ilha dos Tesos e avança pelo Estreito do Ramalhete com o cigarro ao canto da boca. "Eles [Estado] não se preocu­pam com o sapal, eles estão preocupados é com os pas­sarinhos", declara, como se estivesse num púlpito, refe­rindo que se realmente qui­sessem proteger a Ria For­mosa já tinham efectuado "dragagens nos sítios certos". "De que serve ter um cora­ção (ria) se a maior parte da artérias (canais) estão entu­pidas! Isto vai morrer tudo", comenta o mariscador, le­vantando o motor da embar­cação para que não toque no fundo da ria.
Sob o risco de o parque na­tural se transformar num ce­mitério com a acumulação de areias nos canais da ria, os viveiristas algarvios, pe­dem aos responsáveis do parque uma urgente inter­venção naquela área prote­gida.
"As águas da ria estão para­das e a oxigenação não está a ser feita, provocando mor­tandade dos bivalves", expli­ca, por seu turno, o marisca­dor Vítor Lourenço e antigo presidente da Associação de Viveiristas e Mariscadores, a Vivmar.
Tal como um campo agríco­la precisa de manutenção para dar frutos, também os
terrenos da Ria Formosa pre­cisam de cuidados e o desassoreamento é essencial, caso contrário morre, observa o mariscador.
Os mariscadores e viveiris­tas estão também preocupa­dos com o fundamentalísmo do Plano de Ordenamento para a Ria Formosa que pro­íbe a captação total de bival­ves na área marinha da Ilha da Barreta, sapais dos Cações e dos Gemidos e entre a Ilha da Armona e da Fuzeta. O Plano de Ordenamento es­teve em fase de discussão pública até 06 de Junho e o parecer técnico deverá se­guir para Conselho de Minis­tros para aprovação nos pró­ximos três meses.
O documento proíbe a cap­tura de bivalves em zonas privilegiadas, denominadas de Zona de Protecção Total, e os mariscadores temem pelos seus empregos e clas­sificam o plano de "assom­broso", "violento" e "catas­trófico" para as populações que vivem na ria e dos ani­mais marinhos. O presidente da Câmara de Faro já veio a público dizer que vai contestar até ao "li­mite" das suas forças a apro­vação do plano na sua ver­são actual, que considera inaceitável.
A Lusa tentou ouvir a direc­ção do Parque Natural da Ria Formosa mas tal não foi pos­sível.